domingo, março 01, 2009

Francis Bacon, Ultramar, e uma Angola "Loca" por sangue

Francis Bacon disse muitas coisas na sua vida. Disse coisas boas, coisas menos boas, coisas hediondas e coisas fabulásticas. Uma dessas postas de pescada revelou-se premonitória:

- "A vingança é uma espécie de justiça selvagem.", citação tatuada no peito do palanca Paulão, corria o ano de 2001.

O angolano era obcecado pelo filósofo londrino; seu fã de longa data e amante platónico post-mortem. Não raras vezes jogava com uma fotografia de Francis carinhosamente enfiada nos seus calções, o que o levou a ter uma discussão acesa com Marco Aleixo, quando ambos defendiam as cores do Sporting da Costa Verde.
Marco opunha-se ferozmente ao empirismo e afirmava com veemência que Confessio Fraternitatis o enojava particularmente. Escusado será dizer que as sessões de treino do clube de Bolinhas eram assaz quentinhas, e que Paulão levava a melhor com alguma frequência. Porque tinha Bodunha do seu lado.
E quem tem Bodunha, tem tudo.
E ganha. Sempre.














Na selecção angolana, o belicoso duo procurava converter os restantes companheiros à doutrina de Francis Bacon. Loco não percebia porque raio os seus colegas tanto gostavam de bacon francês, ele preferia fiambre mesmo. E isso deixava-o louco da vida.
Wilson e Quinzinho, por outro lado, beberricavam o conhecimento cuspido por Bodunha e Paulão, abraçando apaixonadamente a causa baconiana, nos raros momentos em que não se abraçavam um ao outro.
Pouco a pouco, todo o plantel foi-se entregando à seita de Francis Bacon (menos Loco - o Rijkaard subsariano - que ainda preferia fiambre).

Alheio a tudo isto, a uns belos milhares de quilómetros de distância, o povo português sorria.
O sol brilhava, Laszlo Boloni estava très content, Phil Babb e Pavel Horvath partilhavam tépidas pints of lager, e Ivan Litera vencia constantemente os concursos de cotão de umbigo que realizava com o seu compincha Carrasqueira.

Respirava-se optimismo. Estávamos em 2001 e a Humanidade vivia o excitante dealbar de um novo milénio. A ideia era esquecer os mil anos anteriores, marcados por guerras, epidemias e Martin Pringle. Olvidar os dez séculos volvidos, que revelaram a face medonha do ser Humano e o levaram a um período de introspecção.
O novo milénio surgia como uma nova oportunidade, uma forma de expurgar os pecados e construir um Mundo melhor tendo por base a paz, um fio de cabelo do Giovanella e o amor. A parte do fio de cabelo foi um sucesso, mas as restantes iniciativas tiveram um resultado semelhante à contratação de Nica Basarab Panduru pelo FC Porto.

Tudo terminou a 14 de Novembro de 2001. O dia em que a humanidade perdeu a esperança.
"Hão de pagá-las, brothers", balbuciava o buliçoso médio André Venceslau Macanga na véspera do encontro amigável entre Portugal e Angola, jogo-símbolo do desabrochar das novas relações entre os dois Países. Festa, celebração e exaltação de dois povos irmãos, que deixando os horrores da guerra colonial definitivamente para trás, se iriam fundir num longo e reconciliador abraço, exalando amor à maneira de Príncipe Maestro e David "Bad Muthafucka" Luíz.

Mas Macanga tinha outras ideias:
- Construir um império financeiro baseado em almofadas de folhelho de trigo sarraceno e alfazema.
- Vingar-se da guerra colonial.

Vamos focar-nos na segunda. Paulão e Bodunha tinham feito passar a mensagem do seu mentor e ídolo -Francis Bacon - aos restantes palancas negras, e Macanga levou-a a outro nível.

"A vingança é uma espécie de justiça selvagem."


Trinta anos após a guerra colonial, a selecção angolana tinha descoberto o palco da vingança: Alvalade.

A festa começou bonita, com
il fantasista varzinense Mendonça a molhar o espargo na maionese logo ao primeiro minuto de jogo. Um toque de magia, um hors d'oeuvre para a festarola ou uma centelha de sadismo? Com que jogo nos iriamos deparar? Um festival de futebol ofensivo, mostra de criatividade e boas intenções de cariz fraternal?

Nada disso.

Ao minuto 13 da partida, o plano angolano começou a tomar seu rumo. Pauleta e o sniper envolviam-se em confrontos. Coisa pouca; ao final de contas estas Taharices são o Lim nosso de cada dia no futebol. Cartão amarelo para ambos. Mas Asha era um homem com uma missão. E não ficaria por ali.
Quatro minutos depois, o primeiro kamikaze rossonero completaria a sua incumbência com eficácia fertoutiana. Souvenir nas pernas de Luís Figo, segunda cartolina amarela, e duche com ele.




11 - 10.






Wilson
- o afável pedaço de mobília belenense - não quis ficar atrás, e transfigurado pelos hostis vocábulos de Francis Bacon, decidiu ver ele também duas cartolinas amarelas no espaço de 180 calvos segundos e abandonar o certame. Aos 28 minutos, o gentil central lambia finalmente o sangue dos lábios - e gostava.

11 - 9.

"Escolher o seu tempo é ganhar tempo". Mais uma citação de Francis Bacon que fez sentido aos curiosos ouvidos de Franklim.
60 segundos após a expulsão do calvo capitão, Frank The Killer protagoniza uma desajeitada tentativa de assassinato ao Pai de Tiago Pinto, e vê-se escorraçado do desafio pelo árbitro francês. "Foram os 60 segundos mais longos da minha vida", diria mais tarde o sanguinário palanca. Andrés Diaz discordava.

11 - 8.

Termina a primeira parte, e os jogadores dos palancas negras rejubilam. No placard tradicional lia-se 3-1, mas no balneário africano contavam-se os hematomas gentilmente oferecidos aos futebolistas lusos. Goleada. O Ultramar ficava finalmente para trás, e Alvalade era palco da mais brutal catarse do futebol mundial desde a conferência de imprensa do Pai de Tiago Pinto pós-Vigo.


Eis que tem início a segunda metade deste histórico jogo. Desde Carrie em 1976 que não se assistia a uma festa tão desastrosa.

Ou uma matança tão festiva.

Portugal precavê-se: tira cinco jogadores de futebol ao intervalo e introduz sacos-de-pancada do calibre de Litos, Frechaut e o Jardel coimbrão.



Os africanos não querem saber. Loco afia os dentes com uma lima, Bodunha saliva, Paulão esfrega a mão e André Macanga faz almofadinhas fofas com o seu folhelho de trigo sarraceno.

Recomeça a partida, e o palanca Neto diz para si próprio: "Não é cedo, nem é tarde."
120 segundos após o reatar das hostilidades (literalmente), a côr amarela surge no seu horizonte, depois de ter tentado cortar o cabelo de Nulo Golos à chapada. Na verdade, já era preciso alguém que tivesse coragem para dizer ao amarantino que o look à Take That terá ficado esquecido algures em 1995, juntamente com a passagem de Jean-Jacques Eydelie pela Luz.

Aos 51 minutos de jogo, depois de 4 minutos sem estropiações, amputações a sangue frio ou arranjos faciais involuntários, o banco angolano decidiu relembrar aos seus jogadores a razão de ser do desafio. Entram os cabecilhas da vingança, Paulão e Bodunha. Com eles entra todo o ódio de um povo revoltado por centenas de anos de ocupação, injusticas sociais e álbuns dos Delfins.

O banho de sangue vai empapando a relva de Alvalade, já reduzida a uma espécie de arroz de cabidela sem arroz. Aos 64 minutos, Neto volta a ávalizar bem um adversário, através de uma tentativa de mutilação ao Jardigol academista. Estes gajos acumulam cartões amarelos como o Paulo Vida acumula tentos. Amarelo+amarelo= vermelho.







11 - 7.









Desta feita, o simbolismo do número 69 não foi muito positivo para os angolanos (excepto para Mantorras, dado ser essa a sua idade). Hélder Vicente, esse maluco, tinha uma rave party em Cabeceiras de Basto e temia que não chegasse a tempo. Esperto como um alho, katsouraniou uma lesão para que o desafio acabasse mais cedo, pois o angolano estava perfeitamente a par da regra que não admite que um jogo continue quando uma das equipas dispõe de um número inferior a sete elementos. É o que dá jogar FM até altas horas da madrugada ao leme do Watford. Aos 69 minutos, Pascal Garibian apitava para o final da carnificina/desafio.

11 - 6. Vitória lusitana por KO.

Terminava assim o arroz de cabidela sem arroz, aquele que seria o momento mais hediondo do futebol português até à conferência de imprensa de Rocky Balboa do Caravaggio com Roberto Leal. Isto apesar de 93% dos futebolistas envolvidos no circus maximus de 14 de Novembro de 2001 jurarem a pés juntos que preferiam passar de novo pelo mesmo a ter que ouvir a versão de "uma casa portuguesa" que Robby Leal e Luíz Felipe nos ofereceram em 2008.

No final, os adeptos angolanos decidiram ofertar cadeiras do estádio de Alvalade aos gladiadores que tinham acabado de se sacrificar pelo bem deles. Pelo bem do espectáculo. Um gesto bonito, que teve continuidade pelas ruas da cidade de Lisboa, tomada pela espírito de festa - e porque não - do Natal que estava aí à espreita. Christmas, bloody christmas.

Porém, até podemos encarar a contenda do 14 de Novembro como algo bastante pacífico, tendo em conta o panorama do cautchú luso. É que não houve avançados com deficiências ortodôncias a socar seleccionadores nacionais, pais de laterais-esquerdos do Trofense a mandar sopapos em árbitros, ou ainda responsáveis máximos de equipas técnicas nacionais a arranjar a dentição de futebolistas sérvios.

E Loco? Foi prazenteiro para casa, cantarolando uma velha máxima de Francis Bacon:
"A porrada é como o adubo, não é boa se não for distribuída."


10 comentários:

Gino Magnacio disse...

Es o maior.

Para mim es o Nikolic da blogosfera.

Tambem fumas?

Rodrigues disse...

Afinal, havia uma filosofia subjacente ao massacre de 14Nov2001... Sem dúvida, um jogo marcante - nas canelas, nas cabeças e por todo o corpo em geral. A imagem de "Carrie" vale por mil palavras.

Anónimo disse...

a imagem do bigode do FIZST vale por mil caqueradas.Mas o minino levou o seu tempo....
"too much time on your hands ,darling??"


Arménia Úrsúla

Anónimo disse...

Preferia ser uma espécie de Milinkovic, mas Nikolic também está bem. E sim, fumo. Mas só daquilo que o Quitó também fuma.

Sra Dona Úrsula, grato por confiar no meu bigode. Volte sempre.

A Bola Indígena disse...

Se fumasses dakilo que o Quitó fuma penso k nao conseguirias postar kk coisa k seja :P

Gino Magnacio disse...

O que eu sei e que o futebol portugues foi assaltado de cagadeira e foi depois de um almoco no restaurante do Barbas esse mitico Demol benfiquista.

PS: E de mim ou o Polga e filho do Antonio Calvario?

João o Protestante disse...

Não pude ficar indiferente à referência ao xavier...campeão do mundo de Sub20.

Conheço-o pessoalmente, tive o prazer de jogar algumas vezaes com ele...no Marinhense. Inclusivamente fizemos dupla de centrais, eu a destruir fruta e ele a a LíBERO espalhando classe.

Meus amigos...o homem jogava muito! Nota-se algo de genial, inato que só os preditinados têm.
Era um prazer à parte admirar a sua qualidade com a bola...a ler o jogo, a marcar livres, passes longos, inteligencia.

Lembro de um jogo, minuto 90, livre ainda longe da baliza para a nossa equipa e toda gente se virou para o xavier. Ele lá foi, colocou a bola (entretanto o GR posicionou a barreira a deixar o lado ligeiramente aberto.
O xavier na maior das descontrações num momento de tensão virou-se para mim com ar de gozo e dizer sorrindo e gaguejando como de custume " tá-tá-tás a ver joão? olha ali junto ao p-p-poste... já lá está!"
Pé Na bola, arco perfeito por fora da barreira, e ...golo!1-0 Na gaveta!
Xavier vira-se pra trás e diz piscanndo olho com ar malandro: "eu nao disse?!?!" como se tivesse indignado por não ter acreditado nele à 1ª!

É verdade que falhou uma grande carreira...flop? chamem-lhe o que entenderem. Mas Xavier é um homem humilde, simples, puro! Sempre com uma alegria contagiante totalmente distanciada do passado, nunca niguem o ouviu gabar-se de se campeão do mundo. (Muitos que com ele convivem não sabem ou pensam que é uma bricadeira de mau gosto se alguem lhes contar).

O xavier nao vive há muito à conta do futebol nem ganhou o suficiente para estar remediado. Hoje trabalha pra ganhar a sua subsistencia. A vida boémia que poderá ter ajudado a afundar a carreira não lhe tirou qualquer dignidade.(também as malditas lesões nos joelhos lhe deram cab do futuro).
Ás vezes dou comigo com amigos comuns ao Xávi, a contar historias hilariantes dele... Um homem grande que sorri como um menino, e vive entre um copo um cigarro e um amigo sem nunca se ter deixado levar pela tentação de se "encostar" aos amigos milionários, demarcando-se sempre desse passado.
Não vai aos convivíos dos campeões, nao dá entrevistas, por timidez ou por desconforto, afinal a vida dele agora é outra!

Faz parte dos cromos da bola...até porque mantém a cabeleira encaracolada quase intocável desde Riade. ;) ABRAÇO

João o Protestante disse...

Já agora....para quando o cromo do Gambôa? ! Mais um do inesgotável filão aveirense!????

Rodrigues disse...

Obrigado pelo comentário, João. verdadeiramente enriquecedor 8sem ironia). Gamboa? E por que não Krstic? Ou Juninho Petrolina? Ou até Fusco? Haverá tempo... a idade da reforma está a aumentar e tudo...

João Loff disse...

Desafio os autores deste blog para uma crónica do inesquecível Portugal - Coreia do Mundial 2002. Impõe-se. Salvé!

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